Entrevista: Polimorfismo na produção de medicamentos
O polimorfismo é definido como a habilidade de uma substância existir no estado sólido com, no mínimo, duas estruturas cristalinas diferentes. A princípio, todos os fármacos apresentam a capacidade de se cristalizar em estruturas cristalinas diferentes, portanto, todos os fármacos podem apresentar o fenômeno do polimorfismo, impactando na estabilidade química, na dissolução e biodisponibilidade do fármaco.
A FCE Pharma News conversou com Alejandro Pedro Ayala, doutor em Física pela Universidad Nacional de La Plata (Argentina) e professor do departamento de Física da Universidade Federal do Ceará, sobre a importância do controle de formas sólidas para garantir a qualidade dos fármacos.
FCE Pharma News: Como o polimorfismo interfere na qualidade do fármaco?
Alejandro Pedro Ayala: No caso de comprimidos, cápsulas, suspensões etc., o fármaco se encontra na forma sólida. Então, ainda que a molécula de interesse esteja presente, as propriedades associadas à forma sólida podem ser determinantes para a qualidade de um medicamento. Entre essas propriedades está a estrutura cristalina, que por sua vez determina o polimorfismo. Os diferentes polimorfos (estruturas cristalinas) podem afetar, entre outras, a solubilidade, ponto de fusão e propriedades mecânicas. A solubilidade, em particular, acaba sendo o principal fator associado ao impacto (positivo ou negativo) do polimorfismo nos fármacos ministrados via oral, já que pode condicionar a biodisponibilidade. É importante salientar que as definições do termo "polimorfismo" no nível acadêmico e nas farmacopeias difere, sendo que as farmacopeias optam por uma definição mais abrangente que inclui hidratos, solvatos e amorfos.
FCE Pharma News: Quais os aspectos regulatórios do polimorfismo na área farmacêutica?
Ayala: Do ponto de vista regulatório é crucial definir mecanismos para identificar e controlar a forma polimórfica adequada para cada princípio ativo, tanto como na matéria-prima quanto no produto acabado.
FCE Pharma News: Qual o impacto do polimorfismo no processo de registro de um medicamento?
Ayala: O polimorfismo não é um problema crítico para todos os medicamentos, mas não temos como prever em quais deles vai comprometer a qualidade do produto. Então, seria conveniente a inclusão de informações relativas às formas polimórficas e sua identificação, em particular qual é a forma desejada na hora do registro para poder estabelecer protocolos para o controle de qualidade.
FCE Pharma News: Como é possível detectar e controlar o polimorfismo em todas as etapas de preparação do medicamento?
Ayala: No processo de produção as matérias-primas (incluindo ativos e excipientes) são submetidas a diversos processos que podem induzir a transformações polimórficas, no sentido amplo da definição das farmacopeias. Portanto, é necessário o monitoramento ao longo de todo este caminho para garantir a qualidade do produto final. Há muitos casos na literatura onde pequenas variações no processo levaram a novas formas cristalinas que acabaram forçando as empresas a realizar grandes recalls de produtos.
FCE Pharma News: Quais testes são utilizados na identificação do polimorfismo? E o que há de mais atual nessa área?
Ayala: Os testes de controle de qualidade estão bem estabelecidos e muitos são de uso corriqueiro na indústria. No entanto, é preciso uma mudança de paradigma para começar a pensar em termos estruturais e não só no nível molecular. A condição principal para estes métodos é que tenham sensibilidade pela estrutura cristalina. O mais atual nessa área não vem atrelado a métodos experimentais, ainda que constantemente a tecnologia propicie melhoras e diminua os custos. Num horizonte próximo, o avanço na área vem do controle racional da forma sólida no intuito de melhorar as propriedades físico-químicas relevantes para um dado fármaco. Nessa área, as palavras-chave são Engenharia de Cristais.
FCE Pharma News: É possível prever todos os polimorfos estáveis de um composto farmacêutico?
Ayala: Ainda que existam grupos de pesquisa tentando predizer os polimorfos de uma molécula, não há resultados sistemáticos que confirmem a previsibilidade dos polimorfos. Os casos onde foi possível prever uma estrutura cristalina são em geral moléculas muito simples. Ainda nos casos de sucesso não foi possível prever as propriedades dos polimorfos. Em princípio, toda molécula poderia ter polimorfos, mas o importante é identificar o polimorfo com as propriedades certas para fazer uma formulação.
FCE Pharma News: Como controlar o polimorfismo em uma diversidade tão grande de medicamentos? Genéricos, similares, biológicos? Esse é um desafio para a indústria farmacêutica?
Ayala: A magnitude do "problema do polimorfismo" não difere muito de outros parâmetros; são usualmente controlados em matérias-primas e produtos formulados. A indústria farmacêutica e as agências reguladoras já têm a logística para lidar com essa diversidade de medicamentos, e sabem muito bem que funcionários e pesquisadores devidamente capacitados fazem o possível para atender às exigências regulatórias. A solução para o problema do polimorfismo é a mesma: é necessário investir em capacitação para que os desvios de qualidade possam ser rapidamente identificados. Como é uma área que não é aprofundada em muitos cursos de graduação, o esforço dos profissionais pode ser um pouco maior, e pode implicar em algumas mudanças conceituais, mas não está além do potencial dos profissionais formados no Brasil.
FCE Pharma News: Quais métodos analíticos são empregados envolvendo o polimorfismo?
Ayala: A principal característica de um método analítico para ser aplicado ao polimorfismo é que este seja sensível à estrutura cristalina. As primeiras técnicas que poderíamos pensar são as de difração de raios X, mas as espectroscopias infravermelho e Raman, análise térmica, microscopia óptica e eletrônica e a ressonância magnética nuclear em sólidos são algumas das técnicas usadas para esta tarefa. Cada uma delas tem suas vantagens e desvantagens e os problemas devem ser considerados caso a caso. No entanto, em muitos dos casos, uma indústria pode, baseada numa pesquisa prévia, definir um protocolo adequado a suas facilidades analíticas.
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